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Culturas Urbanas e Invisibilidades

Trabalhar a partir da paisagem é pensar o sítio arqueológico como uma síntese de diferentes esforços de transformação sucessivamente significados, interpretados e vividos. A partir de leituras da paisagem pode-se inferir diferentes maneiras como as comunidades constroem seus espaços física e simbolicamente, reproduzindo suas formas de vida e identidades. Como afirma Augustin Berque, paisagem é marca, a geografia das transformações feitas pelo ser humano no ambiente, e matriz, porque participa diretamente de esquemas de percepção, concepção e ação – ou seja, da cultura- que canalizam, em certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza.

Se a identificação de um bem ou manifestação cultural é uma ação que fundamentalmente implica, por razões históricas, políticas, estéticas ou culturais, no destaque de um bem de um determinado contexto e contínuo espaço-temporal, sua ressignificação e reinserção neste mesmo contexto dá-se como “ente” a ser significado. Sua presença passa a ser em si elemento constitutivo de uma paisagem humana (é algo feito ou reconhecido como tal), de modo que a patrimonialização propõe, inevitavelmente, colocar em discussão a relação entre este espaço criado pelo bem (ou conjunto de bens) − espaço de afastamento do contínuo cotidiano e de reinvenção de relações econômicas, sociais e culturais construídas com o espaço a partir de sua valoração, institucional ou não − com a sociedade e cada indivíduo.

Valorar um bem cultural significa, portanto, estabelecer uma permanente e dinâmica relação dialógica, onde ambos os polos são intérpretes e interpretados através de uma infinita teia de percepções, afetos e interesses que se estendem no tempo e no espaço a partir da experiência no presente. Deste modo, “estar ali” sempre carrega consigo um “estar além”; próximo, mas inalcançável.

Neste sentido, o patrimônio cultural funciona como ponto focal de uma paisagem, lugar para onde primeiro se dirige o olhar; ponto de referência a partir dos quais podemos derivar um espaço onde é possível perceber, além do presente, a existência humana pela materialização da passagem do tempo, do passado pra o presente e do presente para o passado e futuro, pela concomitância de marcos físicos, heranças e permanências organizadas pela atribuição de sentidos a espaços vividos, onde o tempo se constitui como paisagem e esta como esperança e representação desta continuidade na qual cada um de nós se insere.

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